Talvez por não saber ao certo o que é em toda sua complexidade e questionamentos, tão pouco dominando plenamente seu fazer, me permito a dúvida como possibilidade, portanto a arte. Nos momentos próximos ao fazer artístico, estive presente, nas narrativas visuais, na fotografia, na arte contemporânea.
Outros aspectos que me fascinam estão relacionados ao movimento de contemplar, o “mas” e o “mais” incômodo, compartilhar idéias e pensamentos, inspirar reflexão, a busca, a tomada de consciência, o convite ao debate e ao questionamento: como vivemos?
As possibilidades do viver, as relações humanas, a filosofia, a psicologia, a história, a antropologia são atitudes que me interessam, que estão presentes em minha vida, como um prazer ou mesmo compulsivamente e, de uma forma ou de outra, foi na fotografia onde encontrei espaço para articular tantas questões, tencionar, ressignificar e manifestar.
Procurando ordenar e construir uma imagem de todos esses elementos, acredito, iniciei meu percurso pelo “outro”, a interação, a amizade, o contato. Das “relações humanas”, ao co-estar e à comunicação.
Num segundo momento, minha busca se voltou para dentro, na esperança e provavelmente de uma forma ingênua, me coloquei diante de perguntas e temas, talvez clichês, mas para mim inevitáveis: minha presença no mundo, o viver, as ambiguidades, os sentidos...e qual quinhão?
O que não se fazia claro naquele momento, é que esses seriam temas para toda vida, não um fim, mas o meio. Já reconheço que não existe resposta, assumo a multiplicidade e as possibilidades do verbo. Hoje procuro a essência na existência, talvez na coexistência, neste algo comum à todos, único em seu fazer para cada um e para todos nós.

“Para que possamos enfrentar objetivamente grandes questões do nosso tempo, (...) talvez seja preciso desvincular a incerteza do medo. (...) Aprender a viver com a incerteza pode nos ensinar soluções. Compreender diariamente o sentido da Incerteza Viva é manter-se consciente de que vivemos imersos em um ambiente por ela regido. Assim, podemos propor outras formas de ação em tempos de mudança contínua. Discutir incerteza demanda compreender a diversidade do conhecimento, uma vez que descrever o desconhecido significa interrogar tudo o que pressupomos como conhecido. Significa, ainda e também, valorizar códigos científicos e simbólicos como complementares em vez de excludentes. A arte promove a troca ativa entre pessoas, reconhecendo incertezas como sistemas generativos direcionadores e construtivos.” Trecho do texto de apresentação da 32ª Bienal de São Paulo – Incerteza viva (Curador: Jochen Volz, Cocuradores: Gabi Ngcobo, Júlia Rebouças, Lars Bang Larsen e Sofía Olascoaga).

O princípio da incerteza me levou ao indeterminismo e assim à possibilidade de não linearidade entre causa-efeito como condição do viver. Desta forma, em certo grau, minha busca ou interesse se volta ao desconhecido, à descoberta. Não objetivamente o que se descobre, mas o próprio descobrir, o instante em que temos contato com algo que não conhecemos.
Conforme o formalista russo Viktor Chklovski em seu trabalho “A Arte como processo” ou "A Arte como procedimento"...: ”a arte é um meio de sentir o devir do objeto, aquilo que já se ‘tornou’, não interessa à arte.” (ibid., p.82).
Talvez mais uma vez devo agradecer à minha ingenuidade, mas me parece existir uma qualquer e sutil relação entre Chklovski, Sartre, Ponty e Sloterdijk: no interesse pelo devir, na existência que precede a essência, no estado nascente ou na verdade a fazer e por fim na coexistência.
Há uma força vital, talvez o próprio desconforto ou a “promessa de sentido”, que nos move a este instante, à busca dos significados, dos sentidos. A ciência talvez seja uma resposta? A arte, o outro, a espiritualidade, o não romantismo do amor? Não sei, o que permanece para mim, é este movimento inevitável, o ser como verbo, substantivo e coletivo – ser(mos).
Frequentemente, de forma simplista e convicta, colocamos esses e outros aspectos da vida como supérfluos. A angústia da sobrevivência, o desejo de controle sobre a “incerteza viva” e o medo são utilizados por nós e contra nós mesmos. Sobreviver se torna sinônimo de viver e esse medo, domínio. Colocamos as mãos no rosto e perdemos a capacidade de ver, categorizamos o necessário e o acessório de forma equivocada.
Fazemos isso como um impulso, uma resposta automática, necessária. O instinto pede velocidade, o instantâneo apaga tudo aquilo que sustenta, o que há de humano em nós. Entre necessário e acessório, nos isolamos, não pertencemos, excluímos o outro, as relações, o que sentimos. O livre pensar é dor, o sensível anestesia, o que resta é somente o eu, mas não o ser.
Me impressiona como esses aspectos são fundamentais em nossas vidas e insistentemente os observamos tão superficialmente. Mais que o paradoxo socrático, o conhecimento morto, separado da vivência, pensar sem sentir, sentir sem fazer. No horizonte, confio na direção à uma visão mais ampla na busca por um modo mais digno e autentico de viver.
Buscamos algo que nos dê identidade, sentido(s) de vida, acredito pois que ela seja mais que nascer, o passar e morrer. Sem transcendência, sem o delito de sonhar, sem utopia, a vida seria aquela em que as pessoas estão simplesmente interessadas em seus objetivos imediatos e práticos, sem nada que vá além do “comer, beber, não ser demitido e pagar a prestação."
O mundo da sobrevivência, da competição, do interesse, do estritamente funcional, onde tudo é um meio para conseguir algo, sem espaço para o outro, para nós. Um mundo que não nos pertence, onde os fins sempre justificam os meios. Indiscutivelmente, a cada dia, todos os dias, somos chamados para esse jogo, agora, mais rápido e imediatista.
Não é possível excluir esse aspecto de nossa existência, mas é possível adicionar outros, ver outras realidades. Acredito sinceramente que este seja um mundo onde a gentileza, o afeto, o compartilhar são apreciados. Apreciamos o que nos transporta, que transcende, algo que nos “faz sonhar”, que de certa forma, nos liberta.

Uma pergunta que nos instiga, o que provoca em nós a “promessa de sentido”... poesia, musica, contato. Tudo para nos transportar a esses lugares do imaginar e do compartilhar. A construção de nossa memória, o sentido ao nosso fazer, a identidade, são todas necessidades.
Há alguns anos atrás, não me era absolutamente consciente qualquer relação entre todos esses pontos e percebo, que eles ainda estão se tornando vivos para mim. Mas foi dentro do caos que minha necessidade existencial encontrou, liberdade e legitimidade para se manifestar e reconhecer o papel da arte e da fotografia. Uma linguagem para experienciar, interrogar e questionar pressupostos na construção de significados e sentidos, para mim, uma tentativa de nos aproximar a um novo ser(mos).
“O olhar separado do sentir não trás significado. Reconheço a fotografia no encontro, na construção de sentidos. Compartilhar o nosso humano constrói e sustenta o ser. Não o ser humano, mas o que o humano pode trazer ao ser(mos)”.

“... a única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais (...) Perco a consciência, mas não importa, encontro a maior serenidade na alucinação. É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.” Perto do coração selvagem, Clarice Lispector.
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